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Aventuras de RPG railroad são boas experiências?

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Fuga: Melodies of Steel.

Olá pessoal, tudo bem? Espero que sim….

A vida é uma caixinha de surpresas. Iniciei a minha vida jogando principalmente AD&D e suas evoluções. Até que conheci os jogos indies, mergulhei fundo inicialmente no Fate. Depois comecei a flertar com jogos minimalistas, fui fisgado pela narrativa emergente dos jogos OSR, defendi com unhas e dentes o estilo FKR e estou agora no meio do caminho, onde eu acho que todas as propostas são válidas, de verdade.

Acabou que eu venci o jogo Fuga: Melodies of Steel e ele foi maravilhoso… Mas este é um blog sobre RPG! Então eu vou dissertar sobre aspectos de aventuras no estilo railroad e traçar um paralelo com a minha própria experiência jogando Fuga.

O que é uma aventura railroad, Fifo?

Seria uma aventura “nos trilhos”, onde há uma história pré-definida a ser contada e que possui um começo, meio e fim. Acaba que tudo esta dentro de um script possível e a história vai caminhando para isto. Jogos como a 5a edição do rpg famoso, Starfinder e Pathfinder são campões em publicar os famosos módulos de aventura que são, de certo modo, railroad. Embora os jogadores tenham o “poder de escolha”, este é suprimido pois o grupo acaba sendo guiados para as cenas da aventura, e vão passando pelos desfechos. Ou seja, é uma falsa sensação de escolha e liberdade: o grupo deve seguir e interagir com os elementos preparados. Em grupos mais experientes que jogam estes estilos citados, não é nem questionado se vai executar ou não uma missão. Há, de certo modo, um comum acordo velado que a aventura tem que seguir para estes caminhos.

Seria como se as únicas decisões reais que os jogadores podem tomar são as rolagens de dados, pois os testes e os encontros ainda são aleatórios, ainda que haja toda uma mecânica de balanceamento já preparada para jogar aquele módulo, quantidade de personagens, níveis sugeridos, sugestões aos mestres/narradores como adequar a equipe, etc, etc, etc…

Mas então, railroad é tão ruim assim?

Parece que do jeito que eu escrevi assim acima, uma aventura railroad deve ser a pior experiência possível. O bom mesmo é explorar os módulos e tomar as próprias escolhas e decisões, e explorar de verdade aquele cenário, sem ser encaixado num script de cena 1, cena 2, escolher entre cena 3a ou cena 3b, cena 4, cena 5, fim. E eu to aqui exatamente para desmistificar isto e dizer que NÃO! Aventuras Railroad são ótimas também, e profundas: o fato de seguir um script ainda te permite ter as próprias gestões e suas decisões podem te fazer “falhar” naquela dada aventura railroad. Para isto, vou usar a minha experiência com o joguinho para explicar.

AI MEU DEUS, DÁ PRA PERDER NO RPG ENTÃO??? Se perder significa que o final que ocorreu não foi o final que você esperava, sim, dá pra “perder” numa aventura de RPG.

Os trilhos no jogo Fuga: Melodies of Steel.

O mapa “nos trilhos” do jogo Fuga.

O jogo Fuga se passa 80% do tempo neste mapa que vocês estão vendo. As escolhas são basicamente os trilhos que o tanque pode caminhar. O jogo é dividido em 12 capítulos e assim que termina um capítulo, você passa por uma cidade, negocia alguns itens e segue para o próximo capítulo. Chato né? Definitivamente não!

Embora seja um jogo fortemente “nos trilhos”, as decisões táticas e as escolhas que são feitas com os personagens são fundamentais, pesadas e envolventes. A narrativa foi muito bem construída, pois são crianças estão sendo atacadas com pelo império bermânico e encontram um tanque mágico que dá a elas a chance de salvar suas famílias. A história é contada pouco a pouco, mais crianças vão sendo resgatadas e os combates envolvem fortes mecânicas e tomadas de decisão para serem bem sucedidas.

Além de tudo, há um revés: as lutas são muito difíceis e quando as crianças estão próximas de serem derrotadas, estas podem ativar o canhão das almas que é um autowin daquele combate, mas que irá sacrificar um dos personagens. Ou seja, venceu a batalha ao custo de um personagem. E sim, o jogo é muito difícil é necessário fazer um micro gerenciamento muito impecável para conseguir derrotar os combates.

Fuga: Melodies of Steel é um jogo de apertar botões. Mas eu quero ver se você tem a habilidade certa para chegar até o final sem sacrificar nenhuma criança.

Se por um lado o jogo é todo nos trilhos, por outro lado a narrativa me fez ficar pensativo algumas vezes até o final. Quantas cenas de cortar o coração que acontecem. Um turbilhão de emoções entre opressão, esperança e escolhas difíceis. Crianças ficando com medo de ataques, se machucando, tendo que reparar o tanque de guerra, e na esperança de ver a sua família novamente.

A chave da diversão no Fuga é uma só: tomar decisões em escolhas difíceis. E isto bateu tão forte no jogo e mexeu tanto comigo que eu até estou escrevendo este post, pois ele me fez repensar o RPG.

Railroad é bom e é uma experiência válida, pare de ser chato!

Jogos são…. jogos! Há uma experiência associada. Pode ser que a experiência seja da mais pura liberdade possível, onde você explora de tudo e a diversão esta nesta narrativa que surge na criação do jogo. Ou pode ser que seja uma experiência direcionada que embora você esteja passando literalmente por alguns trilhos, suas decisões e a forma como lida com as cenas vão importar.

Quando se trata de RPG, eu passei a torcer muito o nariz jogos nos trilhos. E acredito que muitos leitores já passaram por isto também. Também é muito divertido escolher poderes para personagens, otimizar ficha, combar itens mágicos, discutir estratégias com os colegas e etc. E sabe porque e quando fica legal? Quando tomamos decisões e fazemos escolhas difíceis. É legal evitar de rolar dados para tentar buscar soluções por meio da imersão no cenário. Mas também é uma puta adrenalina saber que seu futuro está na mão daqueles pares de dados e que as gestões realizadas até então permitiram ter uma probabilidade de sucesso maior ou menor.

AIN, mas jogar assim é bonecagem, eu não estou sendo desafiado, as soluções estão na minha ficha, etc, etc, etc. Senta lá, Claudia.

A grande vantagem das aventuras nos trilhos

A narrativas pré-estabelecida, o script que permite uma crescente na expectativa e emoções associadas. É se deparar com plots twists e/ou fazer escolhas difíceis que realmente importam. E nisto aventuras, sandbox são fracas: pois como não há um caminho certo, fica mais difícil e amarrar o jogo assim. Embora a história seja original e criada coletivamente a partir da decisão de todos, é mas difícil conseguir construir um desfecho épico e/ou plots twists. Fuga é impecável neste ponto de execução, mesmo te limitando apenas para ir de A até B.

RPG é um jogo sobre contar histórias. As vezes as histórias estão sendo criadas organicamente por meio de tabelas, oráculos e criatividade individual e/ou compartilhada. Em outras, o grupo está seguindo caminhos pré-definidos propostos por um módulo de aventura.

O meio do caminho…

Saiba que sistemas importam e estilos de aventuras também!

Se, para o grupo, o elemento de diversão importante é estratégia, posicionamento, escolhas de poderes, hora certa para usar estes poderes, etc… a diversão está em fazer escolhas difíceis, então o estilo de aventuras nos trilhos será um excelente caminho. Pense no lugar do mestre, ele já está sobrecarregado com um sistema todo crocante e cheio de regras, saber que ele tem um módulo de aventuras que pode consultar para ajudá-lo a conduzir a sessão é uma puta vitória.

Agora se a descoberta é mais importante, a imersão nos detalhes, nas sensações, criação coletiva de uma história organicamente criada, então escolham sistemas mais leves. Se o foco é a contação de história, que o sistema seja ágil o suficiente para permitir que a história seja construída a partir disto.

Palavras finais

Este texto tem um objetivo muito importante, mais do que defender algo. Escolhas difíceis e relevantes são fundamentais para qualquer jogo de RPG. Seja por meio de estratégias e ajustes de mecanismos nos crocantes, ou por meio de elementos narrativos chave. Abusem disto, brinquem com o cinza, confundam os jogadores, crie possibilidades inesperadas. O jogo é sobre conhecer o desconhecido. É sobre poder contar uma história, mesmo que seja “consegui um cinturão da força de gigante“. Por fim, minhas considerações finais.

Mestre/Narradores: sejam transparentes com seus jogadores e ajustem suas expectativas. Deixe claro se aquela próxima aventura/campanha/arco será nos trilhos ou na caixa de areia.

Jogadores: aproveitem a jornada, seja ela nos trilhos ou numa caixa de areia.

  • Se for nos trilhos, interaja mais com as informações que o mestre passa, não há necessidade de ficar procurando pelo em ovo. Foque em tomar decisões estratégicas, pois é um elemento importante do estilo que está sendo jogado. Não trave o jogo “na taverna”.
  • Se for na caixa de areia, a forneça mais elementos, dê mais sugestões, seja mais proativo. Foque em explorar com o cenário, procurar detalhes e sugerir possibilidades. Aqui a “taverna” será importante para juntar informações e rumores para decidir quais serão os próximos passos.

Por fim, é isto. Espero que tenham gostado e nos vemos na próxima.

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